Foi anunciado no passado dia 14 de outubro, o "prémio nobel da economia 2013", que desta vez distinguiu 3 investigadores americanos - Eugene Fama, Lars Hansen e Robert Shiller. Ainda antes de nos debruçarmos sobre o tema, deixamos a nota de que não existe qualquer Prémio Nobel da Economia uma vez que não foi previsto no testamento de Alfred Nobel redigido por este em 1895 e que determinava a criação de uma instituição à qual caberia recompensar anualmente as pessoas que se distinguissem por prestar serviços relevantes à Humanidade nas áreas da diplomacia ou paz, literatura, química, fisiologia ou medicina e física. Na sequência deste testamento, a Fundação Nobel foi criada em junho de 1900 e os referidos prémios começaram a ser atribuídos a partir do ano de 1901. Estes prémios são custeados pelos rendimentos privados, oriundos do legado de Alfred Nobel. Quanto ao Prémio das Ciências Económicas – assim se chama o "nobel" da economia - foi criado em 1968 pelo Banco Central da Suécia para celebrar o seu tricentenário, foi atribuído pela primeira vez em 1969 e é de montante igual ao Prémio Nobel, sendo custeado com recursos públicos, provenientes do próprio Banco Central. A sua designação oficial é Prémio Sveriges Riksbank de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel e, por incluir esta dedicatória, acabou por ser confundido com um "verdadeiro" Prémio Nobel. De acordo com a Academia Real das Ciências da Suécia, o processo de nomeação, os critérios de escolha e a apresentação da decisão são conduzidos de maneira similar à dos Prémios Nobel, e "conforme as regras que regulam a atribuição daqueles que foram criados a partir do testamento de Alfred Nobel". O "prémio Nobel da Economia" é entregue na mesma ocasião que os prémios originais, os premiados recebem a mesma medalha de ouro, o mesmo diploma e uma recompensa financeira no mesmo montante atual de oito milhões de coroas suecas (910.000 euros). Em suma, para o "comum mortal, o prémio da Economia é tão Nobel como os restantes 5". Voltando à atribuição deste ano – que alguns apelidaram de "desconcertante" - ficou essencialmente marcada pela aparente contradição cometida pela Academia Sueca, ao reconhecer a teoria da eficiência dos mercados, defendida por Eugene Fama e simultaneamente a chamada "economia comportamental" que foi criada por Robert Shiller. Com efeito, e pelo menos na aparência, a Academia distinguiu 2 investigadores que, estudando as variáveis determinantes para a avaliação de ativos financeiros, terão chegado a conclusões antagónicas. Eugene Fama é conhecido como o "pai da teoria dos mercados eficientes", segundo a qual se reconhece que os mercados incorporam toda a informação relevante na avaliação dos ativos, pelo que será uma perda de tempo tentar prever a evolução futura dos preços. Segundo as suas palavras, os mercados reagem surpreendentemente depressa às notícias e porque estas são sempre imprevisíveis, a evolução dos preços também o será. Robert Shiller, numa perspetiva muito diferente, defende que os mercados são feitos por pessoas e, como tal, influenciados pela psicologia humana, o que pode conduzir a que os preços praticados nos mercados não reproduzam aquele que será o valor intrínseco dos respetivos ativos, incorporando as perceções subjetivas acerca dos mesmos. A chamada "economia comportamental", defende que a psicologia humana pode provocar resultados que a teoria tradicional económica não faria prever, ou seja, o conjunto das expectativas dos investidores é determinante para explicar a evolução dos preços dos ativos. 1. Eugene Fama e os mercados eficientes Eugene Fama tem 74 anos, é professor na Universidade de Chicago e foi ele o fundador, em 1969, da teoria dos mercados de capitais eficientes uma vez que estes reúnem toda a informação necessária que determina o seu próprio comportamento. Assim, ninguém pode prever como o mercado se vai comportar amanhã porque os mercados eficientes já refletem tudo que é possível saber. Por outro lado, os preços mudam diariamente por causa das notícias do dia e uma vez que estas, por definição, têm caracter totalmente aleatório, a evolução dos preços replica esta mesma aleatoriedade. Uma vez que não existe qualquer variável que possa ser antecipada, neste tipo de mercado, a performance passada não diz absolutamente nada sobre o futuro. É hoje inegável a influência que este investigador teve, no incremento dos fundos de índice de gestão passiva em detrimento dos fundos de investimento de gestão ativa – para quem acredita na eficiência dos mercados, não fará sentido pagar enormes comissões pela suposta habilidade dos gestores de fundos para escolherem ativos com base numa suposta análise de caráter científico, que este autor considera impossível. Já os fundos de investimento passivos, nomeadamente os que replicam índices, com comissões substancialmente mais baixas, são aceites com maior facilidade. Outra questão mais polémica no que respeita às ideias defendidas por Fama, prende-se com a regulação financeira, que de acordo com a mesma teoria se poderia limitar a um mínimo. Fama continua a discordar que o problema seja de falta de regulação e mesmo depois da crise financeira do subprime que teve início em 2007, numa visão ultraliberal, ainda acusou o Governo americano de ser o principal culpado, considerando que foi a sua influência, nomeadamente através das suas restrições e ajudas no acesso ao crédito, a principal determinante para a crise. Parece decorrência lógica que, para quem considera que os mercados são racionais e eficientes, a regulação seja considerada redundante e até contraproducente uma vez que o mercado encerra em si próprio os mecanismos de auto-regulação que lhe são necessários. Apesar de inicialmente defendidas nos anos 80, estas teorias mantém, na opinião de Fama, a sua atualidade. Aliás, numa longa entrevista que concedeu em 2010 à revista The New Yorker, afirmou quando questionado sobre a crise do subprime: "Os mercados financeiros foram uma vítima da recessão e não uma causa da mesma". 2. Robert Shiller e a exuberância irracional Robert Shiller, tem 67 anos e é professor na Universidade de Yale. Num percurso menos polémico que o de Fama, tornou-se num dos principais críticos do seu trabalho e foi tentando demonstrar que o comportamento irracional dos investidores e a consequente ineficiência dos preços praticados no mercado era um facto que não devia nem podia ser desprezado na escolha da regulação e da condução de políticas económicas. Entende Shiller que, nos rescaldos das várias crises financeiras, que determinaram descidas abruptas no mercado de ações bem como subidas relativamente inexplicáveis, no mercado imobiliário, deveríamos assumir que os preços formados no mercado não são de facto totalmente racionais e que nem este se auto regula como as teorias liberais defendem. De acordo com este autor, a integração da psicologia humana nos modelos económicos é determinante para a sua compreensão defendendo a intensificação da regulação financeira. Uma das vertentes mais conhecidas do seu trabalho é aquela que desenvolveu acerca das chamadas "bolhas especulativas" e que ele considera como uma espécie de epidemia social. No seu livro Irrational Exuberance, publicado no ano 2000, Shiller relata como se desenvolvem períodos de "bolhas" nos mercados, tanto nos financeiros como nos imobiliários, e que os mesmos correspondem a períodos de alguma irracionalidade ou pelo menos de ausência de justificação tradicional económica evidente. Uma frase dita por alguém num determinado contexto ou até descontextualizada, pode determinar perceções de sub ou sobre avaliação de alguns ativos financeiros e desencadear reações de mercado que escapam às justificações económicas habituais. As chamadas "bolhas especulativas" formam-se quando começam a entrar num determinado ativo, novos participantes, sem experiência nesse mercado que se aventuram motivados pelas subidas que eles próprios em conjunto, vão propulsionando, num esquema de pirâmide natural. O final da "bolha" verifica-se quando os participantes deixam de entrar no ativo – o que sempre acontece uma vez que se trata de um universo finito. Em determinado momento, os grandes investidores, ou aqueles que conhecem melhor o mercado, percebem que os valores estão a atingir limiares excessivos e que os riscos de desvalorização estão iminentes e então começam a vender as suas ações, levando à queda dos preços e provocando assim o "estouro da bolha". Em 2005, por exemplo, Robert Shiller descreveu a forte subida do mercado imobiliário americano como uma "bolha especulativa" e avisou que os preços poderiam ajustar em cerca de 40%, ou seja, previu a crise do subprime, 2 anos antes da mesma se ter iniciado. Quanto a Eugene Fama continua a dizer que não houve bolha nenhuma. Fama vai mais longe, afirmando que nem sabe o que é uma bolha, que é um termo que se tornou popular mas que não significa coisa nenhuma e que os preços refletem sempre na íntegra a informação disponível em cada momento. 3. Contradição ou Complementaridade? A primeira reação perante estas nomeações foi certamente de estranheza – como é que se premeiam simultaneamente, opiniões divergentes sobre a mesma matéria? E nem se diga que estamos perante meras divergências retóricas uma vez que as teorias apresentadas têm relevância considerável na definição de estratégias de investimento e mesmo nas escolhas dos sistemas de regulação e até das políticas económicas. Contudo, com alguma reflexão adicional poderemos percecionar complementaridade e não contradição, nestas teorias. Provavelmente, no curto prazo, a evolução dos preços é aleatória e consequentemente torna-se inglório e até desnecessário o esforço para a definição de uma estratégia de investimento por um período pequeno. Contudo, todos sabemos que os mercados podem avaliar mal os ativos por longos períodos por causa dos "mistérios" da psicologia humana. Por último, importará referir que a ciência não assume que conhece a verdade sobre o mundo empírico, a ciência assume que tem que construir o conhecimento e por isso estamos a falar de trabalhos científicos e não de ideologias políticas. 4. Então e Lars Peter Hansen? Lars Peter Hansen tem 61 anos, é professor na Universidade de Chicago e se existisse prémio nobel da matemática, provavelmente teria sido essa a distinção com que a Academia teria agraciado Lars. E já agora, porque é que não existe "Prémio Nobel para a Matemática"? Provavelmente já nos teremos questionado acerca da inexisténcia de um Nobel para a matemática, uma vez que este ramo da Ciência é, indiscutivelmente, um dos maiores patrimónios culturais da humanidade e pilar central da construção científica e tecnológica. Existe uma teoria acerca do tema que tenta encontrar razões efetivas para que Alfred Nobel tenha, conscientemente, decidido pela não existência desse prémio. Prende-se com uma rivalidade hipotética entre Alfred Nobel e o matemático sueco Magnus Gösta Mittag-Leffler que viveu entre 1846 e 1927. Uma vez que Mittag-Leffler era o indiscutível líder da matemática sueca, à data em que Alfred Nobel escreveu o seu testamento deixando a disposição de instituir os prémios, Nobel conseguiria antever com um grau de probabilidade quase total, que esse seu "rival" seria o primeiro vencedor do eventual prémio nobel da matemática e para o evitar, decidiu não eleger essa área da ciência. A verdade é que, esta "explicação mesquinha" foi fabricada nos meios académicos e não merece credibilidade, pois Nobel e Mittag-Leffler não tiveram quase nenhum relacionamento, as respetivas áreas de investigação não foram nem coincidentes nem antagónicas e, portanto, não haveria motivo para a existência de qualquer rivalidade ou desinteligência entre os dois. Ao que parece, a inexistência de um prémio para a matemática, justifica-se apenas pelo facto de Alfred Nobel não se ter lembrado desse importante ramo da ciência. Aliás, o prémio para a Medicina e Fisiologia também não constava do seu primeiro testamento, datado de 1893 mas sim da ampliação que lhe fez em novembro de 1895, o que nos leva a concluir que esta área também terá sido inicialmente esquecida tendo sido repescada em momento posterior. E provavelmente o mesmo teria acontecido com a matemática, acaso Alfred Nobel tivesse sobrevivido mais algum tempo. Ora, voltando a Lars Peter Hansen, este "economista" que é considerado o génio matemático dos 3 premiados, desenvolveu um método estatístico que é particularmente bem-sucedido para testar as teorias sobre a racionalidade dos preços dos ativos. Hansen complementa o trabalho de Shiller utilizando novas metodologias estatísticas para explicar a evolução dos preços dos ativos. Hansen confirma a ideia de Shiller de que existem preços "mal formados" pelo mercado e que advêm das apetências pelo risco dos investidores intervenientes. Numa conclusão relativamente "popular", o método estatístico desenvolvido por Hansen, determina que quando a envolvente é negativa, os investidores são mais cautelosos no preço que estão dispostos a pagar pelos ativos, enquanto que em períodos de maior euforia, os investidores tendem a pagar preços mais altos, influenciando assim, a formação dos próprios preços. A Academia justificou a aparente contradição na atribuição dos 3 prémios: Embora seja impossível prever os preços das ações e das obrigações para os próximos dias e semanas, graças aos trabalhos de Fama, Hansen e Shiller "é possível prever a evolução geral destes preços em longos períodos, como os próximos três ou cinco anos". "Os trabalhos desenvolvidos pelos 3 premiados, combinam o estudo dos fatores de risco e do risco das atitudes, com as tendências comportamentais e os atritos do mercado". |
Sem comentários:
Enviar um comentário